HISTÓRIA DOS ÍNDIOS ARIKEMES

03/12/2012 22:48

 

HISTÓRIA DOS ÍNDIOS ARIKEMES

Período do contato com Rondon. Onde habitavam. Quantos eram. Quem eram eles. Sua cultura. Último povoamento. Fuga e Extinção da tribo.

 

Um século depois que o sertanista e explorador Marechal Mariano Cândido da silva Rondon visitou o último aldeamento dos índios Arikemes, a história desses silvícolas da Amazônia agora extintos ainda é um capítulo obscuro para a população de uma das cidades mais importante da região Norte que leva seu nome Ariquemes e que dista 190 km da capital do Estado de Rondônia. Vê-se que, mais uma vez, o descaso das autoridades com nossa identidade cultural brasileira se repetem aqui de forma desastrosa para as próximas gerações, que seguramente jamais saberão do embate dessa tribo Arikeme com homem branco: bandeirantes, seringueiros, garimpeiros e por último os trabalhadores da comissão Rondon - uma escória de degredados que o governo de Afonso Penas os obrigou a vir abrir o traçado do “picadão” por onde passaria as linhas telegráficas ligando Cuiabá no Mato Grosso a Santo Antônio em Porto Velho, onde também estava sendo construída a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré concomitantemente lá pelos idos de 1907. A história da exploração e ocupação do vale do Jamari ocorreu por volta de 1850 quando os seringueiros se estabeleceram nos afluentes do rio Madeira: Mutum- Paraná, Jaci - Paraná, Jamari e Ji-Paraná. Mas, a região já vinha sendo explorada pelo bandeirante Raposo Tavares que andou por essas “bandas” em 1647. No entanto, o provável contato com a tribo Arikme se deu somente quando os seringueiros começaram a subir o Rio Jamari rumo a sua nascente na Serra do Pacaás-Novos. Em 1909 a comissão da linha telegráfica de Rondon explora pela primeira vez o rio Jamari na sua extensão de 400 km a partir do seu subtributário Rio Pardo. O curioso em tudo isso é que os índios Arikemes tinham sido quase que dizimados durante meio século de contato anterior com os seringalistas. No Rio Canaã já naquela época existia o Barracão Bom Futuro, onde foi construída uma estação de Telegrafo. Aqui o sertanista encontrou duas tribos: os Boca Pretas e os Ariquemes.

 

ARIQUEMES

Os boca Pretas habitavam ao logo das margens dos rios Branco e Preto e eram perseguidos pelos donos dos seringais que os expulsaram para a nascente do rio Jamari. Os Bocas Pretas eram um grupo Karipuna, e talvez sejam hoje os índios Uru –eu- Wau –Wau, que habitam na região do parque Pacaás Novos. Os Arikemes habitavam no curso do Rio Jamari e Massangana e por volta de 1911 foram atacados brutalmente pelos brancos que atearam foco na aldeia e apavoram os índios com seus rifles.

 

BORRACHA PARA INDUSTRIALIZAÇÃO EM PORTO-VELHO

O dono do seringal Massangana era o Sr. Francisco de Castro e os seringais ao longo do Jamari Pertenciam aos irmãos Arruda. Aconselhado pelo Marechal Rondon o Sr. Godofredo Arruda iniciou um trabalho de contato com os Arikemes de forma pacifica. Obteve sucesso passando a conviver com eles harmoniosamente. Não obstante, os trabalhadores do seringal Massangana, após ter conseguindo a confiança dos índios Arikemes, começaram a cometer abusos contra os índios, suas famílias e sua cultura que entrou em colapso. Com a extinção das aldeias os índios passaram a viver nos barracões dos seringueiros e logo começaram a morrer com as doenças do homem branco. Em 1913 em Manaus o Marechal Rondon retira das mãos do dono do seringal Massangana índios Arikemes que haviam sido levados a força para lá. Dos cinco índios que foram entregues a Rondon três estavam completamente doentes. Eles se chamavam: Perriba, Poroiá e Antina. Os outros dois se chamavam Opuna e Patama. Quando Rondon chegou a aldeias dos Arikemes para devolvê-los as suas famílias, encontrou uma cena de horror. A aldeia havia sido destruída e os índios estavam no mais completo abandono. Ele estimou à época que os Arikemes deveriam ser no mínimo 600 índios na fase de contato com os seringalistas e agora só restavam 60 deles. Durante sua visita, Rondon encontrou de resto quatro aldeias pequenas entre o Rio Massangana e Candeias que eram chefiadas pelos (upós) caciques Titunha, Pioia e Curaki e um outro que ele disse que não viu mais que se chamava Pindura. Descrevendo o tipo de maloca usada pelos Arikemes o sertanista nos deixa saber que era uma maloca no formato de um casco de “tatu” com uma única porta central de 1.70 de altura e 60 de largura, o que nos leva a imaginar que eles tinham uma estatura mediana. É interessante notar que eles enterravam seus mortos dentro da maloca debaixo da rede do falecido. Tomava um tipo de bebida fermentada chamada de “tótó” a base de milho e mandioca moídos que era armazenada em potes de barros denominados: Buró e Icóio.

RIO JAMARI POR ONDE PASSOU A COMISSÃO RONDON

Sobre a cultura deles o sertanista nos faz uma revelação impar de cunho antropológico imensurável. Trata-se do Pujico: uma cabana construída exclusivamente para o ato religioso. Ele nos dá a entender que era algo como uma igreja no centro de um arraial como aqueles no inicio do descobrimento do Brasil. Dentro do Pujico Rondon se deparou com uma rede (que eles chamavam de Erembê) feita de pano de algodão de uma brancura incalculável e mantida dessa forma intencionalmente. Adornada de penas de arara vermelha e berloques de coxas polidas dispostas na forma de um triangulo num pequeno circulo. No teto acha-se pendurado couros de onça pintada esticados com varas e cheios de adornos feitos com penas de pássaros. Pedaços de madeiras usados para produzir fogo, cabaças para beber totó, machado de pedra, arcos e flechas, inclusive alguns arcos que podia ser dos índios Caripunas e Parintintins que eles seguramente haviam adquiridos durante combates. Mas o que mais chamava a atenção era mesmo a rede. Além dos restos mortais dos heróis Arikemes que eram mantidos dentro do Pujico como parte dos seus rituais religiosos. Isso faz da cultura dos índios Arikemes algo único jamais visto em nenhuma outra cultura indígena pelo mundo.

Os Arikemes apresentavam diversos aspectos de cores que iam do bronze bem definido como o do cacique Titunha ao amarelo japonês da índia Aranhô. Alguns são muito escuros ou “Avá-unás” como o jovem Opuna e outros são mais brancos ou Avá-djús como o cacique Curaki. Tinham a barriga grande. Narizes Aquilinos com uma depressão na parte superior. Olhos pequenos e muito pretos, oblíquos como na índia Aranhô que se assemelha muito ao biótipo japonês, sobrancelha rala e pouco cabelo. Mãos de tamanhos mediano e defeituosas, dedos longos e unhas como a dos índios Nhambiquaras. Pés Grandes com dedos largos e abertos e outros grossos com unhas planas. Os dentes em boas condições, embora imperfeitamente dispostos nos seus maxilares. Somente os homens furavam as orelhas e enfeitavam as com penas e outros artefatos, não perfuram nem os lábios nem as narinas. Pintam o corpo com urucum e jenipapo. Não cortavam os cabelos, bigodes ou babas até entrarem em contato com o “branco”. Tanto homens quanto mulheres usavam os cabelos compridos amarrados com fibras e usavam uma tira de algodão acima dos tornozelos. Eram muito inteligentes e aprendiam o português fácil e rápido e estavam dispostos ao contato pacifico. Alimentavam-se basicamente de milho, mandioca, bananas-de-macaco, mamão, carne de animais, aves e peixes.

ESTADA DE FERRO MADEIRA-MAMORÉ

Antes de serem extintos definitivamente, Rondon os assentou nas terras junto à última estação de telégrafo no Rio Jamari. Há relatos que dão conta de que os últimos Ariquemes foram levados para Porto Velho pela FUNAI – e lá os que não morrem de fome, malaria e outras enfermidades que assolavam a região foram escravizados pelos brancos até sumirem para sempre ao longo da Estada de Ferro Madeira Mamoré rumo às cachoeiras do rio Madeiras. Seria razoável pensar que os Arikeme não tenham sido extintos totalmente, mas suas aldeias e cultura. Alguns indivíduos podem ter sobrevivido e se juntado aos Karipunas (que ainda hoje resistem a invasão de suas terras) que habitavam as margens do Rio Mutum-Paraná e seus afluentes. De resto, cabe-me lembrar que, no material produzido pela comissão das linhas de telégrafos de Rondon há uma informação preciosa que jamais imaginei encontrar um dia sobre a tribo Arikeme.  Marechal Rondon relatou que um cacique da tribo temendo a extinção da tribo pediu-lhe que trouxesse um dos seus filhos para educá-lo segundo o costume dos brancos. E, ele fez isso. Matriculando o indiozinho Parriba Parakina Piuaka no colégio São Francisco e acrescenta que Parriba surpreendia a todos com sua inteligência.  Disse que ele com apenas dois anos depois de retirado da condição de miséria que vivia na aldeia já falava português perfeitamente, era gentil e educado, coisa impensável para um guri de uma tribo desconhecida pelo mundo civilizado até então. Embora tenha buscado famelicamente em milhares de fontes alguma pista do que aconteceu com o índio Parriba que deveria ter cerca de 8 a 10 anos quando Rondon o levou da aldeia no Jamari, não encontrei nenhuma evidência que ele tenha retornado para a aldeia anos depois.

Fotos IBGE

Aroldo Torquato Verissimo de Almeida